Obra Limpa Dekor
1ª Parte – Conceito
Menos desperdício, mais consciência na decoração.
O conceito se baseia em três pilares principais:
Reutilização de Materiais
Aproveitar revestimentos, móveis e objetos sempre que possível.
Escolha Consciente de Materiais
Optar por insumos menos agressivos ao meio ambiente.
Gerenciamento de Resíduos
Separar, descartar e encaminhar corretamente tudo o que é descartado.
Tudo o que consumimos no design de interiores, desde um simples vaso sobre a mesa até um grande revestimento, é produzido a partir da extração de recursos naturais. Você já parou para pensar nisso?
O IMPACTO INVISÍVEL DO CONSUMO
Você sabia que um vaso de vidro é produzido a partir da mistura de vários minerais retirados da natureza? Areia, barrilha, dolomita, calcário e feldspato são aquecidos a altíssimas temperaturas e depois resfriados. Além da matéria-prima, esse processo consome milhões de litros de água limpa e libera toneladas de CO2 na atmosfera.

Agora pense: quantas vezes você já descartou um objeto de vidro sem considerar o impacto dessa ação?
Ao descartar um simples vidro de conserva no lixo comum, estamos:
Desperdiçando milhões de litros de água potável
Desconsiderando os danos ambientais causados pela extração mineral
Ignorando a poluição atmosférica gerada pelo processo de fabricação
MAS E A RECICLAGEM?
A reciclagem é essencial, mas não é suficiente. Embora o reaproveitamento de vidro possa reduzir até 300 kg de CO2 por tonelada reciclada, os índices de reciclagem ainda são baixos. No Brasil, apenas 8,3% dos resíduos sólidos urbanos (RSU) foram reciclados em 2023, enquanto o potencial de reciclagem estimado é de 33,6%.
Segundo o Panorama 2024 (O Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil é um estudo anual produzido pela ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, que apresenta dados sobre a geração, destinação e gestão de resíduos no país), cerca de 69,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos foram descartadas em aterros no Brasil no último ano, sendo que 41,5% desse total teve destinação inadequada. Além disso, apenas 32% dos municípios brasileiros possuem programas de coleta seletiva.
Isso significa que grande parte dos materiais que poderiam ser reciclados ainda são destinados a lixões e aterros.
CONSTRUÇÃO CIVIL: O GRANDE VILÃO?
A construção civil é uma das maiores geradoras de resíduos no mundo. Segundo a ABREMA (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente), em 2023 foram geradas 44 milhões de toneladas de RCD no Brasil.
No Brasil, produzimos 121 mil toneladas de entulho por dia, sendo que a região Sudeste lidera com 63 mil toneladas diárias, o que significa 51% do total nacional. O mais alarmante? Cerca de 70% desse total vem de pequenas reformas—trocar um piso, ampliar um cômodo, substituir um forro ou abrir um rasgo na parede para instalar uma tomada.
O design de interiores, quando realizado sem consciência ecológica, também contribui para esse problema. No total, geramos 85 mil toneladas de lixo por dia apenas pelo descarte de objetos e materiais de decoração.
UMA NOVA FORMA DE PENSAR O DESIGN DE INTERIORES
O modelo econômico utilizado no mundo atual é linear, ou seja, extrai, produz, consome e descarta. Precisamos migrar para um sistema Cradle to Cradle (do berço ao berço), que considera a reciclagem contínua dos materiais, garantindo que nada se transforme em resíduo permanente.
O conceito Cradle to Cradle, desenvolvido pelos especialistas William McDonough e Michael Braungart, propõe um novo olhar sobre o ciclo de vida dos produtos. Em vez de pensar em descarte, devemos projetar materiais e espaços que possam ser continuamente reaproveitados, mantendo os recursos em circulação.
A Obra Limpa Dekor nasce dessa necessidade de mudança. Não se trata de deixar de decorar ou reformar, mas de fazê-lo com consciência.
Se adotarmos uma mentalidade sustentável, a redução do desperdício será uma consequência natural. Porque, no final das contas, o que foi extraído da natureza não volta mais para ela—mas nós podemos escolher um caminho diferente.
MENOS DESPERDÍCIO, MAIS SIGNIFICADO
A partir de todas essas informações e da minha trajetória profissional, desenvolvi um método simples, porém eficiente, para aplicar os conceitos da Obra Limpa Dekor na reforma de interiores e na decoração.
Sabemos que cada casa abriga milhares de itens—não apenas em sua estrutura arquitetônica, como paredes, pisos, tetos e portas, mas também em móveis, eletrodomésticos, utensílios, roupas e tantos outros objetos do dia a dia.
É essencial termos consciência de que CADA ITEM UTILIZADO NO DESIGN PROVÉM DOS RECURSOS NATURAIS, tais como, madeira, granitos e mármores, metais, tecidos, cerâmicas, plástico, papel, espumas, borracha, tintas, e muitos outros…
- ANÁLISE E PLANEJAMENTO – Antes de qualquer mudança, é essencial analisar as necessidades do espaço e planejar cada etapa da obra ou reforma. Esse cuidado evita desperdícios e permite decisões mais sustentáveis.
- ESCOLHA DE MATERIAIS – Optar por materiais recicláveis, reutilizáveis ou de baixo impacto ambiental é crucial para reduzir a pegada ecológica do projeto.
- GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS – Durante a execução do projeto, a correta separação e destinação dos resíduos garantem que eles sejam reciclados ou reaproveitados sempre que possível.
- FINALIZAÇÃO CONSCIENTE – Na etapa final, o foco está no reaproveitamento de itens, na redução de descartes desnecessários e no incentivo ao consumo consciente, resultando em um design mais responsável e alinhado à sustentabilidade.
Nos próximos tópicos, vou aprofundar cada uma dessas etapas e mostrar como aplicá-las na prática.
GERENCIANDO RESÍDUOS NA DECORAÇÃO E REFORMAS
INTRODUÇÃO AO CONCEITO
Tudo começa no ano de 1981, com a criação do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, um órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente-SISNAMA, instituído pela Lei 6.938/81. Esse Conselho tem a função de estudar, assessorar e propor ao Governo as direções que as políticas governamentais devem tomar para a exploração e preservação do meio ambiente e dos recursos naturais. Dentro dessas propostas também cria normas compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Porém, apenas em 2002 é criada a RESOLUÇÃO 307, que impacta diretamente a área da Construção Civil.
A 307 estabelece diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil.
Essa resolução virou um guia para gerir os Resíduos Gerados da Construção Civil, conhecidos como RCDs- Resíduos de Construção e Demolição e os separou em 4 classes.

CLASSE A
Resíduos que podem ser Reciclados ou Reutilizados para retornarem para a construção civil. Ou seja, é o entulho que, se separado adequadamente tem valor comercial ,por que pode ser reciclado, revendido e utilizado novamente.
Destino: podem ser aproveitados na própria obra ou encaminhados para as usinas de reciclagem.
• concreto
• argamassa
• revestimentos
• solos (terraplanagem)
• tijolos
• telhas
• cerâmicas
• louças sanitárias
IMPORTANTE SABER!
Resíduos da Classe A tem alto valor comercial, já que os materiais podem ser triturados e transformados em insumos que retornam à Construção Civil, tais como:
• Agregados Reciclados de Concreto;
• Agregados Reciclados Cerâmicos;
• Agregados Reciclados Mistos.
Mas a reciclagem de resíduos da construção e demolição (RCD) ainda engatinha no Brasil, esbarrando na falta de uma legislação eficaz e no pouco incentivo do governo.
São Paulo é o maior gerador de Resíduos da Construção e Demolição (RCD) do Brasil, com a região Sudeste respondendo por 51% do total nacional. Em 2023, o Brasil gerou cerca de 44 milhões de toneladas de RCD. Apesar desse volume expressivo, a reciclagem desses materiais ainda enfrenta desafios estruturais e burocráticos.
O estado de São Paulo possui aproximadamente 200 usinas de reciclagem de resíduos da construção, porém 48,11% das cidades paulistas não possuem áreas adequadas para o recebimento de resíduos da construção, resultando em um elevado número de aterros clandestinos.

CLASSE B
Resíduos que podem ser Reciclados e utilizados em outros setores.
Destino: Esses resíduos devem ser separados de forma adequada e individualmente, para que sejam encaminhados a empresas ou cooperativas que façam sua reciclagem.
QUAIS SÃO ELES?
• papel/ papelão
• metais
• plástico
• vidro
• madeira
• embalagens vazias de tintas imobiliárias
• gesso
A CLASSE B REPRESENTA O PRINCIPAL DESCARTE NA DECORAÇÃO E REFORMA
O RCD da Classe B representa uma parcela significativa das reformas de interiores – um dos nossos principais focos. Isso porque os materiais dessa categoria são os mais substituídos e descartados, muitas vezes sem qualquer preocupação ambiental. Para garantir uma destinação correta, a separação precisa ser feita de forma individual, especialmente quando há mistura com gesso e insumos da Classe A.
Agora, um questionamento: já parou para observar o conteúdo de uma caçamba estacionada na rua? Reparou se os materiais estão devidamente separados e acondicionados?
Não preciso ouvir sua resposta, porque já sabemos: a separação de resíduos praticamente não existe! Basta olhar para as caçambas que cruzamos todos os dias para constatar que o descarte é feito de maneira indiscriminada.
E o que isso significa? Que boa parte desse material perde seu valor comercial e, automaticamente, é tratado como REJEITO. Um desperdício que poderia ser evitado com práticas simples, mas que, infelizmente, ainda não fazem parte da realidade da maioria das obras.

A PROBLEMÁTICA DO GESSO
A produção de gesso ocorre a partir do aquecimento da gipsita, um material encontrado em todo o mundo e abundante na natureza. Amplamente utilizado na construção civil e principalmente dentro das nossas residências, o gesso faz parte de qualquer projeto de design de interiores e arquitetura, não é mesmo? Mas nos deparamos com um problema muito sério aqui.
A quantidade de gesso usada no Brasil na década de 90 era equivalente a 5 quilos por habitante ao ano. Atualmente a média anual está em 30 quilos por brasileiro.
Desde a sua instalação e aplicação até sua remoção em futuras reformas, o volume do descarte é significativo. Em 2022, o Brasil gerou cerca de 2,45 milhões de toneladas de resíduos de gesso, o que equivale a aproximadamente 6.712 toneladas descartadas por dia!
Quando descartado incorretamente, o gesso pode se dissolver no solo e contaminar o lençol freático. Além disso, em aterros sanitários, a decomposição do material pode gerar sulfeto de hidrogênio, um gás tóxico e de odor desagradável.
Diante desse cenário, é fundamental que o gesso seja separado corretamente em reformas para evitar a contaminação de outros resíduos e permitir sua reciclagem.
É necessário que o gesso seja separado corretamente nas nossas reformas, para que não contamine os demais resíduos. Caso contrário todos serão considerados Classe C.

CLASSE C
Resíduos que não são economicamente viáveis ou sem tecnologias desenvolvidas para sua reciclagem ou recuperação. A resolução no 307 do Conama não traz exemplos de resíduos deste tipo e podemos considerá-los como REJEITOS.
QUAIS SÃO ELES?
🔴 ATENÇÃO, DESIGNERS, ARQUITETOS, ESTUDANTES, CAÇAMBEIROS, PEDREIROS, TRABALHADORES EM GERAL – E VOCÊS TAMBÉM, DONOS DA REFORMA!
⚠️ Se o resíduo está misturado na caçamba, ele é considerado rejeito. Ou seja, LIXO.
Sem separação, sem valor. Sem valor, sem reciclagem. E adivinhe onde tudo isso vai parar? Nos aterros – ou pior, em terrenos baldios e rios.
Separação não é frescura, é a única maneira de dar um destino correto aos resíduos e evitar um impacto ambiental ainda maior.

CLASSE D
São os resíduos considerados perigosos e nocivos à saúde humana e meio ambiente.
Destino: Esses resíduos devem ser encaminhados para áreas de triagem do município (ATTs) ou aterros licenciados para receber esse tipo de produto.
QUAIS SÃO ELES?
• tintas
• solventes (primer, tiner, removedor, etc)
• materiais de Classe A, B ou C contaminados
• óleos
• amianto (telhas e caixas d’água)
POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
Lei 12.305/10
Em 2010 criou-se a Lei 12.305/10, denominada Política Nacional de Resíduos Sólidos. Essa Lei criou a obrigatoriedade de todos os municípios brasileiros desenvolverem seus centros de recolhimento de resíduos.
O que é importante você, designer, arquiteto, empreiteiro ou reformante saber:
1. os resíduos que mais interessam às Usinas de Reciclagem de RCD, pelo valor comercial, são as classes A e B.
2. se o entulho for misturado na caçamba, ele é considerado classe C, ou seja, vira rejeito sem valor comercial nem possibilidade de reciclagem, e sua destinação-infelizmente- é ser encaminhado às montanhas de lixo comum.
3. independente do tamanho da sua obra, pequena ou grande porte, não importa se o seu projeto prevê uma “simples” troca de revestimento, a retirada de uma parede ou a pintura da fachada. Todo o entulho gerado deve ser separado corretamente para um destino final adequado.